O furo que dava de comer para o borracheiro mas que ao mesmo tempo queria matá-lo
Cordel Mecânico : mais uma história do Cordelista Sem Noção
Cordel Mecânico : mais uma história do Cordelista Sem Noção
Vou lhes contar a história
De um furo de Correntina
Que na BR vivia.
Tudo pneu que via
Ele furava sem pena.
Na BR 020
Ou na 3-4-9
Furava pneu de trator
Ou de caminhão carregado
De banana, ou de couve.
Com as espinhas do Sertão
Sem ar deixava o caminhão
A pé deixava o peão
Brabo deixava o patrão
O namorado com tesão
Não se surpreenda, leitor
Da solidão desse furo
Que tanto incomodava
Viajante, doutor, viúva
Motorista bom ou burro.
Por todos tão odiado
Era como cangaceiro
Fugia da sociedade
Vivendo sem saudade
Como vilão ou mateiro.
Havia uma exceção
Ele tenha um compadre
De profissão estimável
Mas não muito saudável
O respeitava como padre.
Aquele amigo, leitor,
Você já o descobriu
Ele pratica com paixão
Aquela sua profissão
Sua fama já ouviu.
‘To falando desse herói
De todos nos viajantes
Turistas, desmatadores
Tratoristas amadores
Caminhoneiros, ou ficantes.
O sujeito importante,
Criado lá, nesse morro
Nesse posto da chapada
No meio dessa gringada
Lhes falo do borracheiro.
Pra Renan o borracheiro
O furo dava trabalho
Pra construir sua casa
E pra cobrir a despesa
O furo quebrava um galho.
Pneu chinês, pneu francês
Pneu novo ou desgastado
Qualquer um deles ele furava
E com isso bastava
Pra o amigo querido.
E, assim, na parceria
Transcorria linda a vida
Com o furo furando
O homem borracharando
Na beira dessa estrada.
E, assim, lhes parecia
Uma vida d’alegria
Mas a amizade do furo
Tem seu lado escuro
Nas vezes qu’ele explodia
Sem avisar quase sempre
Algum pneu estourava
Sob o homem ajoelhado
Sobre o chão ladrilhado
A poeira levantava.
No meio do conserto
Algum pneu rechapado
Era capaz, de repente
De silbar como a serpente
E explodir como doido.
Se ele não se cuidava
Então o pneu voador
Cruzando a borracharia
Saindo pra padaria
Podia gerar muita dor.
Quando arriscou a vida
Foi na primeira explosão
Botava ar no pneu.
Aquele furo, e lhe deu
Baita pancada na mão.
Jogado mais de dez metros
Além do pneu estourado
Foi na segunda explosão
Que desde o céu viu o chão
Nunca tinha assim voado.
Foi na terceira explosão
Que quebrou seu nariz
Voando até o céu
A cavalo no pneu
Que o borracheiro se diz :
Será que merece o meu patrão ?
Arriscar assim a vida ?
Por esse furo maluco ?
Por esse salário fraco ?
Por duvidosa amizade ?
E assim vive o Renan
Dias louvando o furo
Dias mandando-o ao Diabo
Cuidando-se como lobo
E trabalhando mais duro.
Na beira da 020
Até dos amigos se cuida
Assim fala o borracheiro.
A ele agradecer eu quero
Por ideia tão grande.
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